“Oh, mãe, ainda está chovendo e você diz que não posso sair”. Era uma menina quem falava; parecia ter uns dez anos. Estava sentada numa sala bem mobiliada e olhava para fora de uma janela larga. “Não, Enna”, disse sua mãe, “você está resfriada e não quero que piore, querida”. Nesse momento soou o gongo anunciando o almoço e elas foram para a sala de jantar. No meio da refeição a criada chegou com as cartas; uma para Enna e outra para a sra. Blake. Como tinha parado de chover depois do almoço, elas foram para fora, onde Enna se sentou sozinha num canto embaixo da sombra e começou a ler a carta. Era um bilhete de Lucy Brown convidando Enna e sua mãe para passarem algumas semanas de férias com ela na sua casa em Torquay. Enna ficou encantada e correu para pedir à mãe.
Foi então que na manhã seguinte elas entraram no trem que as levaria até Torquay. Quando Enna se cansou de olhar pela janela, encostou-se no assento e não tomou conhecimento de mais nada até ouvir o cabineiro gritar “Torquay”.
Lucy estava na plataforma para recebê-las. “Estou tão feliz que vocês vieram”, disse ela, “mamãe falou que talvez a música a impedisse de vir”. Elas fizeram uma viagem adorável até Sunny Glen; eram nove horas da noite quando chegaram e foram aconselhadas a ir logo para cama, o que Enna fez de bom grado.
O dia seguinte foi bem agradável. A sra. Brown sugeriu que elas fossem ver as samambaias. Então começaram logo depois do café da manhã. “Parece o dia ideal para se divertir”, disse Lucy enquanto subiam a colina. “Sim”, respondeu Enna, “hoje está muito mais agradável aqui do que em Londres”. Por volta do meio-dia as duas meninas sentaram-se sobre um tronco e comeram. “Acho que seria ótimo pegar alguns musgos”, disse Enna; então saíram caminhando. As meninas tiveram um dia bem feliz e colheram muitas samambaias bonitas e alguns musgos lindos. Naquela noite Enna disse que aquele tinha sido o dia mais agradável que ela teve no campo. No dia seguinte choveu muito, então elas ficaram dentro de casa, mas fizeram bolos, pãezinhos, biscoitos de gengibre e outras guloseimas para uma festa que ela planejava dar no dia seguinte. Por volta de oito horas da noite, chegou uma caixa endereçada a Lucy pelas mãos de seu tio. Ao abri-la, encontrou um gatinho encantador; era todo branco, exceto por uma mancha preta no pescoço. Lucy ficou maravilhada e brincou com ele o resto da noite.
O terceiro dia da estada de Enna foi muito aprazível. As meninas saíram para passear de manhã e visitaram algumas amiguinhas de Lucy durante a tarde. Enquanto tomavam chá um cavalheiro chegou para visitar a sra. Brown e as divertiram pelo resto da noite. E na verdade as semanas passaram voando muito rápido, mas quando chegaram ao fim, Enna concluiu que foram as férias mais felizes que já teve.
Em maio de 1898, Kathleen Beauchamp, nome de nascimento de Katherine Mansfield, foi estudar com as irmãs mais velhas no Wellington Girls’ High School, em Wellington, Nova Zelândia. Pouco tempo depois publicou sua primeira história, “Enna Blake”, por “Kathleen Beauchamp, nove anos de idade”, no jornal da escola, com um comentário do editor: “Esta história, escrita por uma aluna que acaba de entrar na escola, é promessa de grande mérito.”
Mansfield estudou nesta escola de maio de 1898 a maio de 1899. Nas Obras Completas (Edinburgh Edition) consta que seus pais passaram um bom período na Inglaterra em 1898, o que talvez explique parte do contexto da história.
Incrível perceber a ingenuidade e a clareza do texto de Mansfield, a forma como narra os eventos passados, a voz que dá às personagens e principalmente a concisão — característica marcante de seus contos.